Programa de Desfechos Clínicos: O paciente é quem dita a regra do jogo

A partir de indicadores padronizados, é possível medir o desfecho clínico e buscar uma melhoria contínua para o cuidado centrado na população

O conceito de Value-based Health Care (VBHC) existe desde 2006, quando Michael Porter e Elizabeth Teisberg publicaram um livro que para o português foi traduzido como “Repensando a Saúde: Estratégias para Melhorar a Qualidade e Reduzir os Custos”. Desde então, há uma movimentação do setor referente ao tema, especialmente, por onde começar a mudança e como fazê-la de forma transparente e justa com todos os elos. Neste conceito, o valor é definido como o resultado para o paciente, envolvendo a qualidade do serviço e sua experiência, dividido pelo custo envolvido no tratamento.

E foi nesse cenário que a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) desenvolveu o Programa de Desfechos Clínicos – ICHOM. Para a construção dessa iniciativa, a Associação buscou uma parceria com o ICHOM – International Consortium for Health Outcomes Measurement – fundado pela Harvard Business School, Karolinska Institutet e o The Boston Consulting Group. A entidade é responsável pela definição de padrões globais de indicadores de resultados voltados para a percepção dos pacientes, impulsionando a adoção e a divulgação dessas medidas em todo o mundo.

O início do programa se deu em 2016, com um projeto piloto, oito hospitais participantes e com o acompanhamento de um standard set, ou seja, uma patologia. Atualmente, a iniciativa já reúne 13 instituições e dois standards sets (Insuficiência Cardíaca e Acidente Vascular Cerebral). Com essa evolução, em 2018, a Anahp foi reconhecida como líder na América Latina em medição de desfechos e referência mundial em grandes grupos.

Por se tratar de um trabalho em conjunto, a Associação conta com o trabalho e esforço de algumas instituições de excelência, como: Hospital Alemão Oswaldo Cruz, Hospital Aliança, Hospital do Coração – HCor, Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Márcio Cunha, Hospital Mater Dei, Hospital Moinhos de Vento, Hospital Samaritano, Hospital Santa Izabel, Hospital São Camilo Pompeia, Hospital Sírio-Libanês, Hospital Tacchini e Hospital Vera Cruz.

O conceito de saúde baseada na entrega de valor é uma proposta de que a competição entre hospitais se dê em torno da entrega de valor para o paciente, em uma relação entre desfecho clínico e custo. A lógica é a de que as instituições prestadoras de serviço de saúde entrem em uma competição em busca de quem entrega o melhor desfecho para o usuário, pelo menor custo possível.

De acordo com Ary Ribeiro, vice-presidente do Conselho de Administração da Associação, o Programa de Desfechos da Anahp nasceu para ajudar a viabilizar esse conceito. “É um meio para que o próprio sistema de comparação e competição entre os hospitais Anahp e o mercado em geral deixe de ser apenas baseado em tabela de preço e passe a ser orientado pelo que é entregue para o paciente, para seu benefício, na melhor relação com o recurso utilizado”, esclarece.

Ribeiro conta que o programa é oferecido pela Anahp por adesão voluntária de seus associados. “A participação no programa tem um custo mensal e ele requer, acima de tudo, a vontade em iniciar a jornada de valor. Essa vontade tem que estar baseada no direcionamento estratégico da instituição. Além disso, o hospital precisa ter capacidade mínima de organizar coleta de dados, produzir banco de dados e ter uma estrutura de acompanhamento dos pacientes”.

Para o vice-presidente um dos pontos mais importantes para que o Programa de Desfechos evolua, é a capacidade de acompanhamento dos paciente pós-alta. Hoje são monitorados, ao todo, 739 pacientes em mais de 2.300 contatos realizados. Por meio de perguntas pré-estabelecidas e padronizadas, as instituições passam a coletar informações sobre a evolução do usuário, de acordo com a percepção dele mesmo sobre sua melhora. Os dados coletados pelos hospitais participantes são enviados para o Núcleo de Estudos e Análise da Anahp e, após validação dos dados, ficam hospedados no Sistema de Indicadores Hospitalares Anahp (SINHA).

Na prática

A coordenadora Médica de Protocolos Gerenciados e Escritório de Valor do Hospital do Coração – HCor, Sabrina Bernardez, conta que para que a instituição passasse a medir desfechos foram necessárias algumas mudanças. Segundo ela, parte do processo passa por uma mudança de cultura organizacional e introdução do tema nas mesas de discussão na instituição e com os profissionais. “Surgia a necessidade de avaliar nossos indicadores não somente olhando para os processos e desfechos considerados mais duros, como óbito e reinternação, mas introduzindo o conceito de analisar nossos resultados sob a perspectiva dos pacientes – o que de fato importava para eles”.

Sabrina explica que, para isso, os métodos utilizados para avaliar desfechos deveriam ser validados, confiáveis e refletir a percepção do paciente sobre os resultados do tratamento. Seria necessária uma estrutura centralizada, com metodologia de coleta e gerenciamento de dados robusta e tecnologia da informação agregada. E foi assim que nasceu o Escritório de Valor do HCor, em fevereiro de 2018.

“Durante um ano foi feita uma estruturação para a coleta de informações. Os primeiros resultados já apontam os pontos fortes do cuidado assistencial prestado no hospital, além de oportunidades de melhoria em determinados serviços ou protocolos institucionais. Assim, esperamos criar um ciclo virtuoso de melhoria contínua para o cuidado centrado no paciente”, afirma Sabrina.

O HCor, além de participar do programa da Anahp nas patologias de insuficiência cardíaca e infarto agudo do miocárdio, também acompanha o desfecho de seus pacientes com doença de Parkinson, acidente vascular cerebral, doença coronariana submetidos à intervenção percutânea, tumor cerebral e idosos. Já em fase de implementação estão os standards sets de câncer de mama, dor lombar e osteoartrose de quadril e joelho.

Outra instituição veterana no programa da Anahp, o Hospital Mater Dei, possui maior foco na patologia de insuficiência cardíaca, mas conta ainda com alguns pacientes cadastrados na linha de próstata e está prestes a implementar insuficiência cardíaca e acidente vascular encefálico, é o que revela o diretor médico Felipe Salvador Ligorio.

Ele detalha que o trabalho realizado na instituição é colaborativo entre membros da diretoria médica, diretoria técnica, ambulatório e equipes médicas. “Não temos hoje um setor específico para o ICHOM e outros desfechos clínicos, tratamos de forma multisetorial, analisamos os resultados e tomamos condutas de forma conjunta”, diz. “Está claro que investir nessas fases da saúde melhora a qualidade de vida das pessoas e previne internações desnecessárias, sendo assim, as redes hospitalares começam a ter uma atuação extra-hospitalar, operando de forma global no manejo da saúde do paciente. Essa é a estratégia que vem sendo aplicada na Rede Mater Dei de Saúde”, afirma Ligorio.

No entanto, segundo o diretor médico, ainda há muito trabalho a ser feito e barreiras que precisam ser superadas, citando como exemplos o trabalho em progresso de conseguir o apoio do corpo clínico para captação dos pacientes e os longos questionários de perguntas, que acabam gerando uma taxa de não resposta. “Aos poucos os médicos vão vendo a transição na exibição dos seus resultados emdesfechos substitutivos para desfechos clínicos. Sempre existirá uma primeira reação defensiva, pois podemos ter vários modificadores até o desfecho ocorrer, mas é uma mudança que precisa ser feita, pois reflete o que os pacientes realmente desejam e isso traz valor para o paciente. O corpo clínico é ferramenta essencial nesse processo”, finaliza.

No futuro

O vice-presidente, Ary Ribeiro, compara a evolução da saúde baseada em valor com a prática do surf: “é com um surfista, ele está vendo a onda chegando, ou ele vai surfar ou vai perder a onda. É uma questão de visão estratégica”. Para ele, esse processo de transformação acarretará em um tipo de diálogo mais construtivo com outros players do setor, como operadoras e empresas. “Em um futuro não muito longínquo esses resultados vão ser compartilhados entre instituições e até com o público em geral. Isso ajudará as pessoas a entenderem onde estão os resultados e quem não estiver medindo não poderá mostrar”, completa.

“A partir da medida de desfecho clínico você consegue medir uma das dimensões mais importantes no cuidado e consegue analisar criticamente o que é preciso melhorar. Ninguém vai querer ser pior do que o seu concorrente e, acima de tudo, fortalecemos o nosso compromisso com o paciente, que é um objetivo absolutamente alinhado à missão e à visão da Anahp”, finaliza Ribeiro.

Representantes ICHOM no Brasil

Em dezembro do último ano, a Anahp recebeu executivos da equipe internacional do ICHOM. Como parte do cronograma, os convidados foram conhecer a estrutura e as equipes de duas das instituições que desenvolvem o projeto dentro das organizações, o Hospital do Coração – HCor e o Hospital Sírio-Libanês, ambos na capital paulista. Para saber mais, clique aqui.

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