O desejo de uma saúde mais ética

*Francisco Balestrin e Claudia Scarpim

Frequentemente falam de ética como se o simples fato de pronunciar esta palavra mágica fosse o suficiente para que ela adquirisse validade. Essa, no entanto, não é bem uma verdade – haja vista a quantidade de casos de corrupção no Brasil, de empresas que aparentemente tinham regras claras e bem estabelecidas de compliance e outras iniciativas com o objetivo de mitigar condutas e práticas inadequadas.

Nas últimas décadas, este contexto foi agravado por grandes escândalos que repercutiram mundialmente, como as falências da Enron e Worldcom em 2001, o escândalo do Lehman Brothers em 2008, a fraude financeira do Banco Panamericano em 2011, e mais recentemente os desvios investigados na Petrobrás. Todos são exemplos concretos de fragilidade dos dispositivos de compliance, gerando perdas irreparáveis a estas empresas e para a sociedade.

Mas o que é ética afinal de contas? Como ela vem sendo entendida nas relações pessoais, profissionais e institucionais? Ética é, principalmente, a relação que estabelecemos uns com os outros. Sem ética, não sabemos nos situar em nenhuma esfera de nossas vidas. Sem ética individual, de nada adiantam mecanismos para inibir condutas perversas nas organizações.

A sociedade está doente e cética em relação ao futuro do país – o que é compreensível diante de tantos escândalos – mas é exatamente em momentos como este que iniciativas brilhantes e genuínas acabam surgindo e se transformando em algo muito maior do que inicialmente foi proposto.

Neste sentido, o Ética Saúde – movimento liderado pela Associação Brasileira de Importadores e Distribuidores de Implantes (ABRAIDI) e o Instituto Ethos – nasceu a partir de um Acordo Setorial entre Importadores, Distribuidores e Fabricantes de Dispositivos Médicos. A iniciativa, no entanto, acabou ganhando proporção e importância singular e teve seu escopo de atuação ampliado para congregar os demais atores do segmento saúde e ser disponibilizada como uma importante ferramenta para a mobilização e a transformação do mercado de Dispositivos Médicos, tornando-se atualmente um Instituto independente, que desempenha um trabalho contínuo neste sentido.

Informações da Abraidi relatam que no Brasil há 14.482 empresas atuando no mercado de Dispositivos Médicos Implantáveis (DMI), que geram mais de 135 mil empregos diretos. Em 2013 o país ocupou o 11º lugar no mundo em relação ao Consumo de DMI, movimentando algo em torno de U$D 10,6 bilhões. Ou seja, um mercado extremamente relevante, que merece uma atenção especial do setor.

Entretanto, em 2009, de 180 países, o Brasil ocupou a 75ª colocação no ranking de corrupção percebida elaborado pela ONG Transparência Internacional. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) demonstram ainda que 6 em cada 10 brasileiros consideram que a corrupção é o principal problema do país. A Fiesp, por sua vez, apurou que o custo médio anual da corrupção foi estimado em R$ 41,5 bilhões, correspondendo a 1,38% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2008.

Essas são apenas algumas das razões que levam a crer que o tema Ética, sem dúvida, é uma das questões mais importantes no atual contexto político, econômico e social do país.

Após 10 meses de atuação, os dados do Instituto Ética Saúde são alarmantes, o que endossa ainda mais a necessidade de discutir o tema no setor. Estatísticas do Canal de Denúncias do Instituto reportaram 366 denúncias com informações de suspeitas e indícios de irregularidades. Ao todo, 1195 denunciados foram citados, sendo 467 distribuidores (39%), 403 médicos (33,7%), 163 hospitais (13,6%), 86 importadores (7,2%) e 76 fabricantes (6,4%). Destes, 384 são signatários do Ética Saúde e 811 não.

O Estado com o maior número de denúncias é São Paulo (92), seguido de Mato Grosso do Sul (54), Mato Grosso (48), Rio Grande do Sul (41), Maranhão (21), Rio de Janeiro (20), Paraná (18), Espírito Santo (11), Bahia (11) e Pernambuco (10). Os demais estados somam 40 chamados.
O assunto que mais registra relatos é “Concessão de incentivos pessoais ou comissões para indução de prescrição de produtos ou uso de material”, com 163 denúncias. Em seguida vem “Paciente/Laudo Médico”, com 38 casos, e “Prática de doação de equipamento ou instrumental com o intuito de obter vantagem indevida”, com 30 registros.

Impulsionado pelos escândalos das órteses e próteses, o Instituto Ética Saúde é um indutor da mudança de paradigma no setor saúde, por meio da organização de mecanismos de autorregulação da conduta dos signatários, para definir regras claras entre as empresas que participam do acordo e, assim, prevenir e controlar todas as formas de corrupção e suborno.

Vale ressaltar, no entanto, que apesar dessa mobilização, o Instituto Ética Saúde não substitui as iniciativas individuais das empresas e dos prestadores de serviços para o combate à corrupção, apenas as complementa.

O desafio é grande e o caminho árduo. O setor evoluiu neste processo e vivemos atualmente um momento de reflexão sobre boas práticas. Mas uma coisa é certa, as empresas que realmente praticam o compliance possuem uma governança bem estruturada e fundamentada, que fiscalizam suas práticas e proporcionam benefícios para funcionários, fornecedores, terceiros, acionistas, investidores, clientes e todos que participam da organização.

* Francisco Balestrin , Presidente do Conselho de Administração da Anahp e Claudia Scarpim, Diretora Executiva do Instituto Ética Saúde

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