O papel dos hospitais no novo modelo de Atenção Primária à Saúde

Talk show no Conahp 2019 abordou a importância de investimentos no cuidado ao paciente antes que seja preciso tratar a doença

No segundo dia do Conahp 2019, durante as sessões paralelas da manhã, um talk show discutiu o papel dos hospitais nas redes de Atenção Primária à Saúde e integração do sistema. O debate, com participação de perguntas da plateia, reuniu os especialistas Gonzalo Vecina, professor assistente da Faculdade de Saúde Pública da USP, Giovanni Cerri, vice-presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS) e Renato Tasca, coordenador da Unidade de Saúde de Sistemas e Serviços de Saúde da OPAS. A moderação foi de Claudio Lottenberg, presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein.

Segundo Lottenberg, é importante discutir o papel dos hospitais para ter um protagonismo positivo neste novo momento da medicina baseada em valor. “Debatemos não somente porque achamos que o modelo de saúde tem de mudar, mas porque há uma pressão econômica”, afirmou.

Renato Tasca comentou que o princípio de saúde universal é consenso em todos os fóruns e eventos internacionais do setor. “Precisamos de uma agenda política para garantir a saúde universal. Há algumas estratégias que têm se demonstrado fundamentais para que o acesso seja ampliado a toda a população, como o médico de família e o atendimento primário”, avaliou.

De acordo com Tasca, a rede de atenção à saúde é estratégia unânime entre os profissionais da área porque representa o avanço de um modelo piramidal em que o hospital era o ápice desse triângulo e a população ficava na base.

“Não tem mais hierarquia, toda parte do processo é importante. Hoje, os pontos têm que ficar muito próximos e se comunicar ao máximo. Quanto melhor for a atenção básica, os níveis de intermediários conseguirão ser bons para transferir somente a demanda importante para os hospitais e, com isso, vamos ganhar eficiência”, disse.

O hospital precisa responder perante as necessidades de saúde da população. “Há estudos que mostram resultados preocupantes de eventos adversos, muitas vezes se fala que o SUS é ineficiente, mas na pertinência do serviço e capacidade de responder ninguém pode se considerar realmente bom, tanto o público como o privado têm que melhorar muito”, comentou. O executivo da OPAS ressaltou ainda que uma atenção primária que funcione bem turbinará a rede toda, porque o tratamento só baseado no especialista tem risco de excesso de custos, de exagero em exames.

Giovanni Cerri afirmou que o hospital sempre vai ter um papel fundamental por existirem condições que vão necessitar atenção hospitalar, mas o problema é somente pensar neste caminho. “Em nossa cultura ainda predomina o hospital, pois se valoriza muito a doença e pouco a saúde, e por valorizar a doença os pacientes são levados ao hospital, acham que lá vão resolver sua doença, mas o que temos é que trabalhar para que não adoeça, para depender menos dos hospitais, deixando-os para seu papel de última etapa na cadeia da atenção”, enfatizou.

“Também é fundamental ter acesso a cuidados na área ambulatorial e a medicamentos para evitar que o paciente recorra ao hospital. Muitos hospitais do país são de pequeno porte, têm menos de 50 leitos, não atendem à população. A melhoria desses hospitais também passa pela construção de uma rede mais eficiente”.

Gonzalo Vecina disse que o mercado se depara com complexidades. “A primeira é trabalhar esta questão do valor, que está no início. Ainda não temos uma dedicação adequada sobre o que fazer para ter valor, como fazer o certo. De qualquer forma temos que perseguir essa transformação no sistema de saúde, sair dos sistemas tradicionais de remuneração de serviços e passar para esse outro modelo de valores, entregas, seja para o cliente operadora, o cliente contratante de serviços e o cliente de serviços. O médico tem que ser parte dessa equação para ser parte da solução e não do problema”, apontou.

“A outra complexidade é colocar o hospital como parte da rede e não como cabeça da rede. Nosso modelo de atenção está baseado em atender a doença, não falamos em proteção, começamos agora a falar de eventos adversos, de fazer uma medicina mais segura. Temos que repensar o modelo de atenção, que é muito relevante como o modelo de valor. Não dá para ter um modelo de atenção que não seja focado na população”.

Segundo Gonzalo Vecina, o Brasil demorou muito tempo para acordar para essa realidade. “Parece que está começando a acordar, mas não sinto ainda que isso seja preponderante na saúde privada”.

O moderador Claudio Lottenberg lembrou ainda que os médicos são treinados a trabalhar em ambiente hospitalar. “A formação dos nossos profissionais é uma grande inconsistência do sistema, se não mudarmos vamos continuar incorrendo num modelo inapropriado. Temos que trazer o paciente para se engajar e participar do processo, senão teremos sempre o modelo ‘hospitalocêntrico’. Hoje, 90% das pessoas procuram hospitais não por emergências, mas por questões de orientação, e se iniciarmos efetivamente em telemedicina, quem sabe teremos uma mudança no modelo. Porém, enquanto persistir o modelo de remuneração que nós temos hoje, o interesse dos médicos em tirar as pessoas do hospital será nulo, é preciso mexer em toda essa estrutura”.

E, no final, ressaltou: “Tenho receio de que mudemos de um extremo para outro, o papel dos hospitais também é fundamental, agrega tecnologias e expertises, é preciso cuidado nessa readequação”.

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