Luta Antimanicomial: entenda como os cuidados psiquiátricos evoluíram e conheça os desafios atuais

Conheça o legado da luta antimanicomial e os obstáculos que ainda precisam ser superados para uma atenção à saúde mental eficiente no Brasil

O dia 18 de maio marca o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. É um momento não apenas de celebrar a extinção dos manicômios e o fim das técnicas invasivas de tratamento psiquiátrico, mas também de refletir sobre a memória dos que sofreram, sobre o futuro desses tratamentos e, ainda, sobre os desafios atuais.

Até 2001, quando foi sancionada a lei que determinou o fim dos manicômios e sanatórios no Brasil, técnicas semelhantes à tortura eram amplamente aplicadas a pacientes psiquiátricos e a outras figuras marginalizadas da sociedade em instituições desse tipo — como o Centro Hospitalar de Barbacena, conhecido como Colônia, no interior de Minas Gerais (MG).

O que aconteceu nesse hospital foi batizado pela jornalista Daniela Arbex — autora de um livro sobre o tema que, mais tarde, deu origem a uma série documental na Netflix — como “Holocausto Brasileiro”. A instituição aprisionou compulsoriamente, por décadas, pacientes de todo o país. O uso de técnicas de tortura e maus-tratos, incluindo a falta de higiene e de outros cuidados básicos, resultou em mais de 60 mil mortes, segundo a jornalista.

De lá para cá, muita coisa mudou, mas ainda não vivemos o cenário ideal para a atenção psiquiátrica. Para refletir sobre a evolução dos cuidados com a saúde mental no Brasil desde a luta antimanicomial, conversamos com Paulo Silva de Abreu, psiquiatra e membro do corpo clínico do Hospital Moinhos de Vento.

O que é a luta antimanicomial no Brasil?

A luta antimanicomial é um movimento social e político que busca transformar o modelo de tratamento de pessoas com transtornos mentais, promovendo a garantia de seus direitos humanos.

As primeiras mobilizações remontam à década de 1970 e tinham como alvo de crítica o modelo manicomial tradicional, baseado na internação de pacientes em grandes hospitais psiquiátricos.

Nesses locais, os pacientes eram isolados com base em uma visão médica então hegemônica, que tratava a loucura como algo a ser contido e separado da sociedade, em vez de compreendido e tratado.

No Brasil, a médica psiquiatra Nise da Silveira foi a maior expoente da luta antimanicomial. Em uma época dominada por abordagens agressivas, ela acreditava que seus pacientes podiam ressignificar a leitura de si mesmos e sua conexão com a realidade por meio de expressões criativas.

O legado de Nise da Silveira segue presente onde, hoje, existe psiquiatria humanizada baseada na arte e na criatividade, sem uso excessivo de medicamentos. Leia mais aqui.

Toda essa luta pautou a Reforma Psiquiátrica no Brasil. De acordo com Paulo de Abreu, psiquiatra do Hospital Moinhos de Vento, estas são suas conquistas:

  • Garantia de direitos humanos: como dignidade, autonomia e liberdade
  • Desinstitucionalização: incentivo à substituição de hospitais psiquiátricos por uma rede de serviços interligados e de cuidado continuado
  • Integração social: reintegração ativa das pessoas com transtornos mentais à vida comunitária, incluindo trabalho, educação e lazer
  • Abordagem centrada na pessoa: considerando necessidades, desejos e contextos individuais, e não apenas os sintomas
  • Redução do estigma: maior compreensão e aceitação dos transtornos mentais, promovendo a inclusão dos pacientes no ambiente doméstico e comunitário
  • Melhoria dos cuidados em saúde mental: tratamentos baseados em evidências e políticas públicas que garantam o acesso a cuidados de qualidade
  • Garantia de tratamento humanizado: controle de práticas abusivas e desumanas, comuns em instituições com modelos arcaicos
  • Mudança de paradigma: transição do modelo centrado no hospital para o cuidado em rede na atenção básica
  • Criação de serviços substitutivos: alta de instituições de longa permanência com criação de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS)
  • Participação social: estímulo à atuação ativa de usuários e familiares na construção das políticas públicas
  • Redução do estigma: transformação na forma como a sociedade entende e aceita as doenças mentais

Luta antimanicomial: o que mudou nos cuidados psiquiátricos?

De acordo com o psiquiatra, os avanços pós-luta antimanicomial são observados de forma desigual entre países, continentes e até mesmo dentro do Brasil. Mas a mudança é inegável.

“Há uma compreensão e manejo mais ético, eficaz, científico e humano dos transtornos mentais, envolvendo criação de cuidados em diferentes níveis de complexidade, com tratamentos baseados em evidência”, diz Abreu.

O médico também cita a remodelação de hospitais para criação de unidades psiquiátricas em hospitais gerais, a criação de centros comunitários de tratamento (como os CAPS), o maior envolvimento da família, o uso de técnicas transparentes com respaldo ético, como o consentimento informado, e a integração entre diferentes profissionais na busca por uma compreensão mais ampla do sujeito adoecido.

Os principais desafios dos cuidados psiquiátricos no Brasil

Apesar dos avanços ao longo das últimas décadas, ainda existem entraves importantes para que a psiquiatria brasileira seja mais eficiente, como:

  • Infraestrutura insuficiente
  • Falta de recursos destinados à saúde e à psiquiatria
  • Carência de capacitação adequada para profissionais de saúde mental
  • Estigmatização por parte de pacientes, famílias, instituições e até profissionais da saúde

Abreu ainda cita a dificuldade no manejo dos casos de alta complexidade: “Para alguns pacientes com transtornos mentais graves e persistentes, a falta de leitos psiquiátricos adequados representa um desafio, uma vez que o modelo comunitário não é suficiente para atender todas as necessidades desses indivíduos ao longo de sua vida e do curso da doença.”


Em suma, é evidente o avanço da luta antimanicomial no Brasil, com cuidados cada vez mais humanizados e centrados no paciente. Mas ainda há um caminho importante a percorrer.

É fundamental superar o tabu que ainda cerca as doenças mentais e tratar a saúde mental com a mesma naturalidade com que lidamos com a saúde física. E entender é o primeiro passo para desmistificar.

Por isso, compartilhe essas informações e envie este artigo para amigos e familiares!

Leia também:

Matérias
relacionadas