
Quem pode doar? Como é feita a coleta da medula? Existem riscos para o doador? Qual é a eficácia do transplante de medula óssea? Confira o texto e saiba a resposta para essas e outras perguntas sobre o transplante de medula óssea
Mesmo que você não conheça alguém que tem ou teve leucemia, seja na família ou entre amigos, provavelmente já ouviu falar sobre este tipo de câncer. Campanhas de conscientização, como as do Fevereiro Laranja, ou mesmo personagens icônicos que enfrentaram a leucemia – como Camila, interpretada por Carolina Dieckmann na novela Laços de Família – moram no nosso imaginário.
Ficção à parte, a leucemia é um dos tipos de câncer mais comuns no Brasil. Segundo uma projeção do Instituto Nacional do Câncer (INCA), no país surgem mais de 11 mil casos por ano da doença, que se caracteriza por um tipo de câncer que afeta as células sanguíneas, principalmente os glóbulos brancos. Sua característica faz com que a leucemia seja popularmente conhecida como “câncer no sangue”.
Apesar de hoje haver diversas formas de combater a doença, como a quimioterapia, terapias-alvo e o uso de certas medicações, o transplante de medula óssea segue sendo um dos tratamentos mais eficazes em parte relevante dos casos – quando não é o único.
No entanto, ainda existem muitos estigmas sobre este tipo de transplante e, principalmente, sobre a doação da medula óssea – que pode ser feita em vida sem impactar a saúde do doador. Como informação é a maior cura para estigmas, esclarecemos este tema e solucionamos as principais dúvidas.
O que é a leucemia?
A leucemia tem relação com os leucócitos, os glóbulos brancos que nós produzimos. Assim explica Jayr Schmidt Filho, líder do Centro de Referência em Neoplasias Hematológicas do A.C.Camargo Câncer Center – hospital referência no tratamento de câncer no Brasil. Ou seja, quando existe alguma alteração – mutação em alguma célula de linhagem dos leucócitos, a esse processo é dado o nome de leucemia.
“Normalmente, ela (a leucemia) afeta o corpo de forma que, se você tem uma produção exagerada dessas células (leucócitos), elas podem prejudicar a produção das células sanguíneas normais. E aí elas acabam causando sintomas, pela proliferação excessiva, ou por se depositar em alguns locais do nosso corpo relacionados ao sistema de produção do sangue”, explica o médico.
Além de prejudicar a produção sanguínea normal, ainda podem haver infecções decorrentes dessa anormalidade no fluxo normal de produção sanguínea.
Quando o transplante de medula é necessário no tratamento da leucemia?
Não são todos os tipos de leucemia que exigem o transplante como tratamento eficaz. E também não há uma regra clara. Ainda segundo o Dr. Jayr, o transplante acontece para tipos de leucemia para os quais é sabido que a quimioterapia e outros tratamentos não curam a doença sozinhos. “Principalmente as que consideramos de alto risco. Aquelas que têm alguns marcadores biológicos ao diagnóstico, sabe-se que o curso é mais agressivo”, destaca.
O médico pontua, também, que existem casos em que a leucemia é tratada sem transplante no primeiro momento, mas que pode haver alteração e agravamento no cenário que justifique o transplante mais tarde.
“Há doenças que, inicialmente, têm um comportamento biológico aparentemente favorável, mas que depois, ao longo do tratamento, o médico se depara com cenário no qual a doença não responde, ou seja, ela é refratária a um tratamento inicial”, explica. E continua: “Há também os casos em que ela é recidivada. Ela responde, mas depois volta. Nestes casos indica-se o transplante”.
Doenças que eventualmente são tratadas em um primeiro momento e, mesmo tendo inicialmente um comportamento biológico que acreditava-se que fosse favorável, o médico se depara com um cenário no qual ou a doença não responde”, explica. “Ou seja, ela é refratária a um tratamento inicial. Há também os casos em que ela é recidivada, ou seja, ela responde e depois volta no outro momento. Nestes casos indica-se o transplante”.
Como é feito o transplante de medula óssea?
O transplante de medula óssea consiste na substituição da medula óssea doente por células saudáveis. O procedimento é rápido e semelhante a uma transfusão de sangue comum.
Antes do transplante, o paciente é submetido a um tratamento de quimioterapia em altas doses, para ser preparado para receber a medula. “Outro método é pelo uso de técnicas e alguns medicamentos para fazer uma linfodepressão, ou seja, diminuir a quantidade de linfócitos que o próprio receptor tem para poder ‘brigar’ com uma nova medula que ele está recebendo”, diz Schmidt Filho.
Como manifestar interesse em ser doador de medula óssea?
O primeiro passo para se tornar um doador é registrar-se no hemocentro mais próximo. No local, é coletada uma amostra de sangue para o Teste de Histocompatibilidade (HLA – do inglês, Human Leukocyte Antigen).
A lista completa de doenças impeditivas para a doação pode ser conferida no site do Instituto Nacional do Câncer (INCA).
Caso você se cadastre como doador e apareça algum paciente compatível na fila de transplantes, você será chamado para realizar a doação. Ou seja, o procedimento em si só acontece se tiver quem receba a medula, o que não há previsão exata para acontecer.
Quem pode ser doador de medula óssea?
Existem alguns requisitos mínimos para ser doador de medula óssea, como:
- Ter idade entre 18 e 35 anos;
- Estar em bom estado de saúde;
- Não ter doenças infecciosas ou incapacitantes;
- Não ter histórico de doenças neoplásicas (câncer), hematológicas ou do sistema imunológico;
- Apresentar um documento de identificação oficial com foto;
- Preencher um formulário com dados pessoais.
O doador permanece no cadastro até os 60 anos, idade máxima para doar. Depois disso, seu nome é retirado.
Por que doar medula óssea?
A doação de medula é um processo seguro, não envolve riscos aumentados, e fazer o cadastro é muito simples. Basta se submeter a uma coleta de sangue, preencher alguns questionários e manter os seus dados atualizados.
Além disso, o procedimento de doação não traz nenhum prejuízo de longo prazo para a vida ativa do doador. Já para o paciente, receber a medula pode significar a chance de uma nova vida. O transplante de medula salva a vida de muitos pacientes com leucemia, afinal, para muitos deles, o transplante é a única opção.
Por fim, apesar de existir uma chance maior de encontrar um doador compatível dentro da família, muitos pacientes precisam recorrer a uma busca no registro.
Em outras palavras, doar medula óssea nada ou pouco impacta na vida de quem doa e pode significar tudo para quem recebe.
Doação de medula óssea dói?
Existe um senso comum de que o processo de doação de medula óssea é doloroso – e isso não é necessariamente verdade.
Caso seja selecionado como doador (na ocasião de existir um paciente compatível), a doação pode ocorrer de duas formas: pelo osso da bacia ou por doação de sangue periférico.
– Transplante de medula óssea pelo osso da bacia
Nessa modalidade, o paciente precisa ir até o centro cirúrgico para extrair do osso da bacia a quantidade de medula necessária para realizar o transplante de acordo com o peso do paciente que vai receber a doação. O procedimento é feito com anestesia e considerado indolor. Pode haver apenas um incômodo nos dias seguintes, mas que pode ser controlado com analgésicos, se necessário.
– Transplante por doação por sangue periférico
Ocorre quando o doador é estimulado com uma medicação para que as células-tronco da medula óssea caiam na corrente sanguínea. A partir disso, é feita a coleta por meio de aférese – procedimento que separa os componentes do sangue, como as plaquetas, glóbulos vermelhos ou plasma, por meio de centrifugação.
A partir da centrifugação do sangue e divisão em camadas, coleta-se na camada onde se concentram os leucócitos. A partir daí, as células-tronco hematopoéticas são separadas, tratadas e congeladas até o momento da transfusão.
O procedimento para o doador é indolor.
Como fica a medula do doador depois da doação?
O corpo do doador de medula óssea se recupera rapidamente e pode voltar às atividades normais em poucos dias. Isso porque as células se renovam a cada 30 dias – por isso, é possível uma mesma pessoa doar medula óssea mais de uma vez, se desejar.
Qual é a eficácia para o paciente de leucemia pós-transplante?
Segundo o especialista do A.C.Camargo, a eficácia é heterogênea. Ou seja, varia de acordo com o tipo da doença e o estado do paciente quando foi para o transplante: se é uma pessoa mais jovem ou mais idosa; se conseguiu controlar a doença adequadamente e foi para o transplante em remissão; se conseguiu se manter clinicamente bem, apesar de ter recebido quimioterapia antes, e vai para o transplante com uma reserva melhor; entre outros fatores.
Schmidt Filho faz questão de pontuar que os casos de rejeição são raros. “Esse é um cenário atípico. Normalmente, ao realizar a quimioterapia em altas doses para preparar o paciente para receber a medula(…). Isso faz com que o paciente não tenha frente para brigar com uma nova medula que está recebendo. A rejeição representa menos de 5% dos casos.”
Ainda de acordo com o especialista, caso haja rejeição, o paciente pode ser submetido a um novo transplante.
Saiba mais sobre a leucemia e o fevereiro laranja. Leia também: Fevereiro Laranja: mês dedicado à conscientização sobre a leucemia