Anahp reúne diferentes vozes da saúde para debater acesso, inovação e sustentabilidade

Governo, indústria, operadoras, hospitais e Judiciário participaram de debate que abriu espaço para um diálogo franco sobre temas urgentes para o setor

Reunindo representantes de todos os elos da cadeia de saúde — governo, indústria, operadoras e hospitais —, a Anahp realizou, na última quarta-feira (21), o seminário “Incorporação de tecnologias na saúde e a sustentabilidade do setor”, como parte da programação da Hospitalar 2025. Pela primeira vez em um mesmo espaço, o evento promoveu o diálogo qualificado sobre um dos temas mais urgentes para o sistema de saúde brasileiro: como garantir o acesso à inovação sem comprometer a sustentabilidade dos sistemas público e privado.

Na abertura do evento, o presidente do Conselho de Administração da Anahp, Eduardo Amaro, ressaltou a importância de reunir diferentes visões para tratar, de forma aberta e construtiva, questões complexas que impactam todo o ecossistema de saúde. “São pontos que exigem diálogo e articulação. Precisamos construir pontes para encontrar caminhos comuns em um cenário onde, às vezes, cada parte está mais concentrada nos próprios objetivos”, afirmou. Para ele, a sustentabilidade só será possível com equilíbrio, colaboração e abertura para novas ideias — justamente o que espaços como o seminário propõem.

O diretor-executivo da Anahp, Antônio Britto, reforçou a urgência do tema ao destacar os impasses atuais em torno dos direitos em saúde. “Temos vivido um debate público cada vez mais tenso. O direito à inovação, que melhora a qualidade de vida, é legítimo e está garantido na Constituição, mas precisamos reconhecer que o sistema não tem conseguido absorver essa inovação de forma sustentável”, declarou.

Britto também alertou para o risco de manter o setor refém da judicialização como única forma de resolução de conflitos. “Vai-se à Justiça porque falhamos em construir regras e acordos. Mas talvez existam oportunidades não aproveitadas dentro do próprio sistema que podem nos ajudar a resolver muitos dos problemas”, disse.

Ao propor esse encontro plural de vozes e perspectivas, a Anahp reforça seu papel como articuladora de soluções coletivas para os grandes dilemas da saúde no país. O seminário marca um avanço nessa construção, ao promover escuta qualificada, diálogo franco e busca por consensos possíveis.

Participaram do debate:

  • Adriano Massuda, secretário-executivo e ministro substituto do Ministério da Saúde
  • Daiane Nogueira de Lira, conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
  • Bruno Sobral, diretor-executivo da FenaSaúde • Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge
  • Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma
  • Renato Porto, presidente da Interfarma
  • Moderação: Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp Destaques:

Confira os principais pontos:

Renato Porto, presidente da Interfarma, iniciou a discussão destacando a judicialização da saúde que, em sua opinião, reflete falhas acumuladas no funcionamento da cadeia. “Isso não existiria se todas as etapas anteriores fossem bem cumpridas”, afirmou. Para ele, é preciso olhar para dentro do sistema e identificar o que cada elo pode fazer para garantir sustentabilidade, compreendendo os desafios específicos de todos os stakeholders.

Porto defendeu um modelo estruturante de incorporação de tecnologias, que considere as diferenças entre os setores público e privado e permita maior previsibilidade. “Sabemos hoje o que virá nos próximos cinco anos no mundo farmacêutico. Precisamos nos antecipar, alinhar objetivos e reconhecer que não há bom tratamento sem sustentabilidade.” Segundo ele, inovação, acesso e equilíbrio só serão possíveis com mais integração e maturidade institucional.

“Precisamos antecipar as mudanças e alinhar os objetivos da cadeia”
Renato Porto

Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge, defendeu que o setor precisa retornar aos fundamentos para enfrentar os desafios atuais. “Às vezes, complicamos demais o que deveria ser mais direto”, afirmou. Ele destacou que a judicialização, impulsionada por lacunas regulatórias, desorganiza o fluxo financeiro e compromete o funcionamento do sistema como um todo.

Na sua visão, a sustentabilidade exige uma cadeia com responsabilidades claras e alinhamento entre quem paga, quem presta o serviço e quem recebe o cuidado. “O objetivo sempre será prover saúde com qualidade, mas sem ultrapassar os limites que ameaçam a viabilidade do sistema”. Segundo Ribeiro, um ambiente com regras estáveis é o ponto de partida para um ciclo virtuoso de arrecadação, pagamento e entrega de valor.

“A judicialização tira recursos de algo certo para cobrir o imprevisto”
Gustavo Ribeiro

Nelson Mussolini, presidente-executivo do Sindusfarma, alertou para o risco de tratar problemas complexos com soluções simplistas. “Estamos tentando resolver questões muito difíceis com respostas fáceis. Isso não vai dar certo”, afirmou. Ele destacou que a judicialização nasce da frustração de expectativas e citou como exemplo a falta de clareza no relacionamento com beneficiários de planos de saúde. “Se a pessoa acredita que tem um direito, vai recorrer ao Judiciário. Precisamos ser claros sobre o que está ou não está garantido.”

O executivo afirmou que a indústria farmacêutica depende de dois insumos fundamentais — previsibilidade e segurança jurídica —, ambos comprometidos pela judicialização. Criticou ainda a falta de planejamento nas incorporações: “É um absurdo querer incorporar um produto para ser pago dali a 180 dias, quando isso sequer está no orçamento.” Para ele, o debate precisa avançar: “Estamos discutindo os mesmos problemas há mais de 20 anos. Se a conversa continuar nos mesmos termos, só vamos perder tempo.”

“Estamos tentando resolver problemas complexos com respostas fáceis”
Nelson Mussolini

Bruno Sobral, diretor-executivo da FenaSaúde, relembrou que o tom crítico nos debates sobre saúde permanece o mesmo há décadas. “Em 2003, quando entrei na saúde, todos estavam descontentes. Hoje, o tom continua o mesmo. Parece um setor muito complicado — mas somos, na verdade, extremamente críticos com nós mesmos. E isso é bom.”

Para ele, o verdadeiro ponto de virada está no desenho dos incentivos econômicos. “Eles moldam comportamentos — e muitos estão errados.” Ele destacou que, da prescrição médica à atuação dos corretores, há estímulos desalinhados que acabam gerando judicialização, desperdício e perda de margem. “Todos buscamos sustentabilidade, mas cada elo está operando sob lógicas distintas. Precisamos trazer os médicos para essa conversa e repensar os contratos. Financiamento conjunto da prevenção, por exemplo, só é viável com acordos de longo prazo. Estamos no mesmo barco — e o que vai ajustar a rota são os incentivos.”

“Sem alinhar os incentivos, não vamos mudar o sistema”
Bruno Sobral

“Estamos em uma mesa com todos os atores da saúde, e o tema central é judicialização. Isso mostra que algo está errado. Se todos os conflitos estão vindo parar no Judiciário, é porque os demais mecanismos de solução estão falhando”, resumiu a conselheira do CNJ, Daiane Nogueira de Lira.

Ela defendeu que o Judiciário deve ser a última instância, e não a principal via de acesso à assistência. “Na saúde, quem deve garantir o acesso são as políticas públicas — o Judiciário deve fortalecê-las, não substituí-las.” Daiane também chamou atenção para a necessidade de compreender melhor o fenômeno da judicialização. “Há diferenças importantes entre regiões, e nem todas as ações envolvem medicamentos de alto custo. Muitas decorrem de falhas e omissões do próprio sistema, tanto público quanto o privado.”

“O Judiciário não pode ser a porta de entrada do acesso à saúde”
Daiane Nogueira de Lira

O secretário-executivo e ministro substituto do Ministério da Saúde, Adriano Massuda, destacou que o SUS foi criado para garantir acesso à saúde como direito universal, mas que esse objetivo ainda está em construção. “Avançamos bastante, mas temos muito a fazer. O gasto em saúde no Brasil ainda é maior no setor privado do que no público — e o acesso não está devidamente resolvido.” Ele defendeu que, para se chegar à inovação e à sustentabilidade, é preciso reforçar a capacidade do sistema público. “A judicialização não faz parte dos sistemas de saúde mais maduros. Lá fora, judicializa-se o que é de interesse coletivo. Aqui, o que é de interesse individual.”

Massuda enfatizou que ampliar a oferta de serviços, sem regras, organização e estrutura, pode gerar novos desequilíbrios. “Não basta expandir a assistência, é preciso fazer isso com governança e responsabilidade.” Segundo ele, o Ministério tem a tarefa de conciliar interesses, mas sempre com foco no bem público. “Sabemos que os CEOs respondem aos seus acionistas. Nós respondemos à população.” Ele defendeu o respeito às instâncias técnicas — como a Conitec e a Anvisa — e alertou para os riscos de incorporar tecnologias sem eficácia comprovada, por decisões judiciais que não consideram a limitação orçamentária. “Para enfrentar os desafios que virão, precisamos de um sistema de saúde forte”.

“Fortalecer o SUS é condição para equilibrar inovação, acesso e sustentabilidade”
Adriano Massuda

No encerramento, o diretor-executivo da Anahp, Antônio Britto, reforçou a simbologia do encontro. “É muito bom ver essa foto de todos juntos, debatendo. Ela representa a certeza de que, se essa conversa não começar por aqui, não vai começar em lugar nenhum.”

Britto agradeceu a presença dos representantes de todos os setores e destacou o valor da escuta e do diálogo como caminhos viáveis para construir soluções sustentáveis. “O fato de todos concordarem em estar aqui mostra essa disposição. Estamos, de certa forma, condenados a conversar. E isso, diante dos desafios que temos, é uma excelente notícia.”

“Estamos condenados a conversar. E isso é uma boa notícia”
Antônio Britto

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